segunda-feira, 22 de junho de 2009

Luísa Dacosta e a multiplicação da vida

Na passada segunda-feira, a primeira conferência da noite coube à escritora Luísa Dacosta. Uma mulher linda, com uma agilidade invejável e uma firmeza de carácter consolidada pelos 82 anos de uma vida que dedicou à pedagogia e à literatura. Uma excelente professora que partilhou connosco o seu projecto actual, com o título «A leitura e a multiplicação da vida», um trabalho que encara como dívida aos seus alunos – e serão muitos!

Com grande clareza, leu-nos Simone de Beauvoir, para quem o texto literário nos dá «uma verdade que se torna nossa sem deixar de ser alheia» e, continuando pelas palavras de Luísa, é o único que nos possibilita experiências de vida sob protecção, funcionando como «uma segunda placenta». O deslumbramento pela literatura, pela possibilidade de viver o outro sendo ainda nós próprios, mereceu-nos um exemplo de vida digna e o conselho de pedirmos sempre o melhor de tudo, em tudo! Decorar textos de que se gosta, que se tornam nossos, que ninguém nos pode tirar, é integrar em pleno a literatura. Esta integridade da escritora, em todas as leituras possíveis da palavra, é visível na maneira como conta, impossível de dissociar daquilo que conta. O que aprendemos ser válido para Luísa Dacosta e para qualquer escritor, pois é desta coerência que se define o estilo.

Tal como caracteriza o texto literário, é com paixão, emoção e veemência que sempre trabalhou. Ao contrário do texto informativo, que só passa a mensagem, da banda desenhada que encerra somente a acção e encurrala o discurso na ausência de descrição, a literatura portuguesa, de Eça de Queirós a Fernando Pessoa, pela voz de Luísa Dacosta, foi a prova viva de que o texto literário não tem limites temporais nem espaciais, antes proporciona experiências e multiplica a vida, através dos seus leitores. Ali, na Sala Brasil, vivemos intensamente um fim de tarde de janela aberta, com cheiro a flores que vinham de outro país e notícias de outro tempo, mas intemporais como a escrita de Eça de Queirós. Para lá do valor literal da palavra, muito além, mas sempre disponível, está o seu imenso valor simbólico.

E depois das aulas, a escrita. A redacção de textos literários porque a «Selecta» se lhe apresentava insuficiente, e o gosto pela palavra escrita e a inesgotável capacidade de fixação, preservação e partilha de um estilo. Entre outros, foi-lhe atribuído o Prémio Máxima de Literatura, pelo seu livro Na Água do Tempo – Diário; recebeu o Prémio Uma Vida, Uma Obra, instituído pela Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, com o apoio da Delegação Regional de Cultura do Norte; o seu livro O Príncipe que guardava ovelhas foi distinguido pelo IBBY como «um excepcional exemplo de literatura de interesse internacional»; e, numa edição de autor, Isabel A. Ferreira dedicou-lhe a biografia Luisa Dacosta: «No Sonho, a Liberdade...».

São mais de 30 os títulos que escreveu e aguardamos para breve a publicação da História com recadinho, com ilustrações da também premiada Cristina Valadas, que lhe valeu algumas críticas negativas à data da primeira edição, por ir contra a corrente dos «bons costumes» de escrita da época, e que agora receberá outra luz pois multiplicará a vida em novos leitores.

Pode ler um pouco mais sobre Luisa Dacosta na Wikipédia , e aqui no blogue A mulher a e poesia.
Helena Gonçalves

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